sexta-feira, 16 de março de 2012

Alegoria da República

Marianne

- Está na relação entre a Estátua da Liberdade e a mulher estampada nas notas da moeda "Real" brasileiro, alegoria da república, são a mesma pessoa: - Marianne.
E, por incrível que pareça, Marianne não está presente apenas nos EUA e em nosso papel moeda.
A mulher que serve como modelo para a estátua da Liberdade e que aparece nas notas de Real teve origem na “Maçonaria”".

A Maçonaria teve papel fundamental na Revolução Francesa, com a qual compartilha seu principal lema: - “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
- A Liberdade deveria ser o primeiro princípio a ser alcançado, pois sem Liberdade não haveria como promover a Igualdade e vivenciar a Fraternidade.

Marianne

Os franceses adotaram como símbolo dessa liberdade a imagem de uma mulher, a qual ficou conhecida como “Marianne”.
Seu surgimento deu-se entre Setembro e Outubro de 1792, e seu nome nada mais é do que a união de Marie e Anne, dois nomes muito comuns entre as mulheres francesas do século XVIII.
Marianne se tornou símbolo da Revolução e de seus ideais e, com o êxito do povo, alegoria da República do cidadão.
Era chamada por uns de “Senhora da Liberdade” e por outros de “Senhora da Maçonaria”.

Bustos de Marianne contendo o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” não somente podem ser vistos em praticamente todas as prefeituras e principais edifícios públicos da França, como é peça obrigatória em todos os templos maçônicos daquele país.

Há várias versões de Marianne portando objetos diversos, entre: - o “famoso barrete, feixes, coroa, triângulo, estrela flamígera ou mesmo segurando uma colméia”.
Em uma de suas versões mais populares, Marianne veste uma “faixa maçônica contendo Esquadro e Compasso, abelhas (Colméia), Nível e Prumo”.

Quando a França resolveu presentear os EUA em comemoração aos seus 100 anos de declaração de independência, fez isso através da Estátua da Liberdade: - uma versão maçônica de Marianne, feita pelo maçom Frederic Auguste.

Não demorou para que Marianne se tornasse alegoria da República em todo o Ocidente, incluindo, o Brasil.

Se os americanos conseguem ver a Maçonaria na nota de um dólar, através do “Olho que tudo vê”, os brasileiros podem encontrá-la em todas as nossas notas através dela, Marianne, a Senhora da Liberdade, a Senhora da Maçonaria.

Obra: Alegoria da República -1896
MANUEL LOPES RODRIGUES (1861-1917)
Óleo sobre tela, 230 x 120 cm.
Museu de Arte da Bahia - Salvador

Adaptado do texto de Rafael Alves Pinto Junior

- Como observou José Murilo de Carvalho (1990, p. 9), o instrumento clássico de legitimação de regimes políticos no mundo moderno é, naturalmente, a ideologia, a justificação racional da organização do poder.
Se por um lado, como discurso ideológico, a República permaneceu inscrita no polígono das elites no Brasil, por outro lado, seus partidários encontraram na construção de uma imagética republicana, um eficaz instrumento de manipulação de todo um imaginário social.



- O objetivo de analisar a obra “Alegoria da República” (figura acima), pintada por Manoel Lopes Rodrigues (1861-1917) em 1896, como um dos elementos de construção de um imaginário e uma visualidade que correspondesse aos ideais do regime iniciado em 1889.

Murilo de Carvalho destacou também a existência de diversos modelos de república à disposição dos republicanos brasileiros esforçando-se para substituir o governo e construir uma nação.
Uma luta pelo poder representada por uma equação complexa de pelo menos três variáveis beligerantes entre si:
- Uma República Militar, articulada em torno de Deodoro da Fonseca (1827-1892) e seus partidários;

Marechal Deodoro da Fonseca

- Uma República Sociocrática, representada por Benjamin Constant (1836-1861) a partir de sólidas bases positivistas;

Benjamin Constant

- Uma República Liberal, representada por Quintino Bocaiúva (1836-1912).

Quintino Bocaiuva

A esta equação, somavam-se não como atenuantes, as atuações do “jacobinismo” civil frutificado em torno de Floriano Peixoto (1839-1895) e do ativismo de Antonio da Silva Jardim (1860-1891).

Marechal Floriano Peixoto

Silva Jardim

- Desde antes 1889, as imagens da República eram abundantemente difundidas nos diversos jornais e revistas da época.
Dentre estas, destacavam-se a Revista Illustrada, O Mequetrefe (1885) e o Besouro (1878).
Destes periódicos, a Revista Illustrada era, de longe, a que mais dava espaço às imagens da República e foi nela a sua primeira representação personificada na figura feminina, publicada no dia seguinte à Proclamação.

- Antes de 1889, a figura da Marianne já aparecia na Revista Illustrada, como exemplo na charge de Angelo Agostini: - “Senhores de escravos pedem indenização à República” - publicada em 09 de junho de 1888.

Angelo Agostini

Depois de 1889, a figura da Marianne praticamente não sairia mais das páginas das revistas: - alimentada pelos acontecimentos do cotidiano, as representações da República podem ser entendidas como uma espécie de crônica visual, ao menos no sentido que lhe atribui Antônio Cândido (1992).

Além de evidenciar a associação com a imagética revolucionária francesa, a “Marianne brasileira” cabia representar o cotidiano de um regime que se esforçava para se fazer ver, dentre várias atividades como representante da Pátria:
- Apareceu vencedora das urnas da Assembléia Constituinte;


- Foi mostrada ao povo como criança em roupas de batismo nas mãos Deodoro nas comemorações do primeiro aniversário do regime;
- Recebeu das mãos de Deodoro, acompanhado de Rui Barbosa, a Constituição de 1890; - Como amiga - e após um “longo período de desconfiança” - recebeu fraternalmente a República Argentina;

A República Argentina e a futura República Brasileira se cumprimentavam, sob inspiração francesa
Revista Illustrada 14.dez.1889

- Foi guiada e amparada pela República Francesa por um caminho florido;


- Coube a ela enfrentar a horda do Conselheiro e de seu séquito de “bufões” em 1896.


Na pintura, suas atribuições não foram menores. Como podemos ver no exemplo do quadro alusivo à Proclamação da República pintado por um pintor popular baiano:


- Em primeiro plano ela recebe das mãos de Deodoro da Fonseca a bandeira nacional enquanto ao fundo o Imperador Pedro II acenava em despedida ao povo presente na sacada, o Conde d'Eu conduzia as crianças à lancha do Arsenal de Guerra ao lado da chorosa Princesa Isabel que os levaria ao cruzador Parnaíba, depois ao Alagoas e ao exílio.
A composição do quadro é totalmente alegórica e não tem nenhum compromisso com a temporalidade dos fatos: - importa o que ele representa e não a veracidade dos acontecimentos.
Observar a distância que separa a representação da República das demais de seu tempo: - uma expressão severa, uma figura não tão jovem, o manto vermelho no lugar do usualmente verde, e o barrete frígido branco (geralmente vermelho) colocado sobre sua cabeça pela mão da Providência saindo da copa de uma palmeira.
No contexto das representações da época, a imagem da República aparece como uma obra de exceção, talvez uma licença poética numa obra de encomenda da qual não dispomos de dados suficientes para avaliar.

- A imagem da República extravasou, ou tentou extravasar, o circulo estreito dos dirigentes republicanos: - o imaginário de uma figura que representasse o novo regime não ficou restrito ao Rio de Janeiro. Como a circulação de periódicos estava limitada às principais províncias, e as obras de arte laudatórias do novo regime ficavam restritas nos ambientes governamentais, a figura da República encontrou um meio de difusão mediante a moeda corrente, conforme podemos identificar no anverso da moeda de 500 Réis.


A República estava, ao menos em suas exterioridades formais, consolidada.

A “Alegoria” de Manoel L. Rodrigues, foi encomendada no governo de Prudente de Morais (1841-1902), a obra foi executada em Paris, chegando ao Brasil em 1896 com o pintor que retornava a Salvador-BA.

A “Alegoria da República”, a influência de Lefebvre parece ter sido considerável, principalmente no formato verticalizado da composição e na disposição dos panejamentos.

- Evidentemente composta a partir de um modelo vivo, o artista não escapou das representações arquetípicas da época, notadamente as produzidas na Segunda República francesa, que em 1848 promoveu nova ênfase às representações republicanas, principalmente as de Marianne.
Para Manoel Rodrigues, imerso no circulo artístico parisiense, estas discussões não passaram despercebidas.

- Apesar disto, a escolha da composição, sugere uma referência a um modelo mais antigo:
- A República (1794) de Joseph Chinard (1756-1813).


A pequena estátua havia sido reproduzida em massa no final do século XVIII para os partidários da Revolução e mostra o ideal clássico, com o boné frígido e segurando as tábuas com a inscrição dos “Direitos do Homem”, além da legitimidade de ser portadora das tábuas da lei, a imagem procurava representar força, segurança e estabilidade.
Estas foram as mesmas referências que moveram o pintor baiano à composição da Alegoria.
Neste sentido, pouco importava que o pintor estivesse na Europa, na Bahia ou no Rio de Janeiro. A natureza da pintura alegórica teve mais peso nesta composição que o local geográfico da execução.

A República de Manoel Rodrigues foi representada:
- Sentada num trono, como Chinard;
- A roupa branca significando a paz da qual ela é portadora;
- O braço direito está apoiado numa espada, sinal evidente de que pode usar a força caso necessário, ao mesmo tempo que evoca as lutas à sua implantação.
- O barrete frígio laureado com ramos de café representam ao mesmo tempo seu vínculo com a matriz francesa e a nacionalidade;
- Aos seus pés as palmas, símbolo da vitória e da consagração;
- Como fundo, uma parede estampada com as insígnias da República e a data da Proclamação.

Uma imagem que a afastava de composições como a República de Décio Villares (1851-1931), simplesmente uma Marianne vestida de verde.

Obra: A República
Décio Villares

- Na Alegoria de Manoel Rodrigues, dois elementos no quadro fazem referência com o recente passado imperial: o manto e o trono.
O manto concebido não é de veludo, o que o afasta da representação imperial.
O trono remete à insígnia exclusiva da realeza, e no caso, a figura da serpe, um dos elementos que representavam a dinastia dos Bragança.

- Vista desta maneira, a República estaria sentada no trono ocupado pela monarquia, assumindo seu lugar de direito e seu lugar de prestígio.

A imagem da República de Manoel Rodrigues foi concebida para transmitir as sensações de estabilidade, serenidade e força perene, esta imagem não correspondia em nada ao período do governo de Prudente de Morais, que não pode ser descrito como pacífico.

Prudente de Morais

Como o primeiro presidente civil, a eleição de Prudente de Morais representou a ascensão de oligarquias agrícolas ao plano nacional, sobretudo os cafeicultores paulistas, seu governo enfrentou enormes dificuldades, além da feroz oposição dos partidários de Floriano Peixoto e da reorganização do Partido Monarquista, o governo de Prudente de Morais lutava contra as pressões inflacionárias e as sucessivas quedas no preço do café no mercado internacional.

Rodrigues Alves

Enquanto o ministro da Fazenda Rodrigues Alves procurava equacionar os problemas financeiros decorrentes da forte depressão econômica resultante do “encilhamento” de Rui Barbosa  (1890), o governo enfrentava difíceis questões nacionais e internacionais:
- Tentava pacificar o Rio Grande do Sul, ainda conturbado pela Revolução federalista;
- Resolveu a questão dos limites com a Argentina,
- Reatou as relações diplomáticas com Portugal rompidas em 1984,
- Enfrentou as graves divergências internas no Partido Republicano Federal (PRF),
- A sangrenta Guerra de Canudos, iniciada em outubro de 1896 e somente terminada em 5 de outubro do ano seguinte com grande desgaste para o governo.

Em um quadro conturbado como este; qualquer pretensão de representação do regime republicano deveria certamente assumir uma posição oposta: - se o panorama era de fragilidade e tumulto, incertezas e turbulências, a propaganda institucional devia representá-la como a tradução da estabilidade, da firmeza e da inabalável serenidade. Representar não como o governo republicano se encontrava naquele momento, e sim como deveria ser; como imagem oficial, a República deveria sair do cotidiano acidentado da política para ocupar a eternidade do Panteão.

- Como representação oficial, a “Alegoria da República” de Manoel Rodrigues não está inscrita em nenhuma finalidade didática, nem joga com pluri-significações do sensível e evita qualquer ambigüidade de sentido.
Nisto reside a força de sua representação. Como obra de arte e, portanto como objeto exclusivamente estético, o quadro não é destituído de mérito: - trata-se de uma imagem que o regime republicano de 1895 produziu para si mesmo, uma espécie de auto-retrato de suas aspirações.
A este respeito o artista parece ter acertado os objetivos da encomenda e não deve ser destituído de mérito. Apesar disto, a imagem não teve o alcance esperado de uma obra de arte de destinação pública, não produzindo nem reconhecimento nem legitimidade social: - ao menos enquanto visibilidade social, não pode ser comparada com obras como:

- Monumento a Benjamin Constant de Décio Villares, Rio de Janeiro,


- Monumento a Floriano Peixoto de Eduardo de Sá, Rio de Janeiro,


- Monumento a Júlio de Castilhos de Décio Villares, Porto Alegre.


À exceção do uso da “Alegoria da República” estampado na moeda corrente, seu efeito sobre o imaginário coletivo foi “nulo”.

Nota de R$ 50,00 - 2012

Para José Murilo de Carvalho (2006, p. 96), os obstáculos ao uso alegórico da figura feminina eram intransponíveis, falhando dos dois lados da mensagem:
- No plano do significado a representação não correspondia aos idealizadores do regime, - No plano do significante, não correspondia a nenhuma mulher cívica envolvida com a República.

Nas palavras do autor:
A alegoria se dissolvia na falta de uma comunidade de imaginação. Ou se fragmentava em sentidos contraditórios e invertidos.

Exemplo de dissolução surgiu em 1902 num episódio da praia do Flamengo, relatado em O Paiz:
“Uma jovem bonita apareceu na praia em roupa de banho usando um barrete frígio. Sua beleza e o inusitado do barrete provocaram grande ajuntamento do povo. A moça foi aplaudida. Deram-se vivas à República”.
O sentido dos: - “Vivas” ficou claro quando um rapaz observou que se a República fosse assim não haveria monarquistas.

Outro curioso, referindo-se sem dúvida à conhecida fase de desapontamento dos republicanos da propaganda, suspirou: - “essa é a República dos meus sonhos”.

- Não havia relação possível, nem alegórica entre a moça e a República. A República não era bela, não era desejável, não era a liberdade, a nação. Da parte da moça, o barrete era apenas uma peça de vestimenta, moda, não muito diferente do traje de banho que usava.

Obra: A Pátria
Pedro Bruno - 1905

Referências bibliográficas:

CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: A crônica. O gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas/ Rio de Janeiro: Ed. da Unicamp/ Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992, p. 13-22.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 2002.
PESAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
Revista Illustrada, 15 set. 1890
Um anno! 15 de Novembro de 1890. Revista Illustrada, n. 607, 15 nov. 1890.
A Constituição. Revista Illustrada, n. 594 junho. de 1890.
8 de Dezembro de 1889. Revista Illustrada, 14 dez. 1889.
A República Franceza. Revista Illustrada, 21 jun. 1890.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.445- 464.

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